Estive visitando a belíssima exposição de Carolina e recomendo esta como uma mostra imperdível para quem quiser mergulhar um pouco mais na sua linha do tempo literária e de vida. Ambas são quase a mesma coisa, se fundem numa urgência de se dizer, de se exclamar às alturas as necessidades, os sonhos e as urgências.
Carolina Maria de Jesus foi uma escritora profícua, multiartista, que estabeleceu uma tradição estética e literária de alcance internacional, com reverberações no tempo presente. Uma mulher negra que mesmo diante de todas as adversidades foi sim protagonista de sua própria história.
Mesmo com altas doses de inclinação política, independentemente de suas posições na época – Carolina poderia ser em sua época o que hoje conhecemos como militante – ainda sim, percebi na curadoria da mostra, expressiva apropriação de críticas, não somente ao sistema geral, – o que seria perfeitamente natural e pertinente, – mas especificamente ao governo atual sob o manto “a história que a história não conta.”
As bandeiras não me pareceram exclusivamente de Carolina. Houve sim uma mistura do que Carolina fazia com o que não sabemos como hoje Carolina faria, mas aos olhos exclusivos da curadoria, me pareceu que eles pensaram ser apropriado incidir sobre isso.
Dito isto, a exposição organiza-se em dezesseis núcleos, reunindo excertos, livros, cadernos manuscritos, fotografias, periódicos, vídeos e documentários, em diálogo com obras de sessenta e nove artistas visuais brasileiros, realizadas entre 1951 e 2021.
Sua presença é marcante em todos os sentidos e sua expressividade reluz em suas obras.
A autora mineira se tornou internacionalmente conhecida com a publicação de seu livro “Quarto de Despejo”, em Agosto de 1960.
Despertava o debate racial nos espaços em que circulava, sendo assim protagonista importante da história do Brasil, embora invisibilizada muitas vezes, é inegável seu papel particular para a história da população negra brasileira.
Ruth virou Carolina!
Em 1961, Quarto de despejo foi adaptado para o teatro, com roteiro de Edy Lima, que transformou o diário em uma peça, dirigida por Amir Haddad e com assistência de Eduardo Coutinho, Cyro Del Nero fez a cenografia da peça, representando o Canindé da forma mais realista, sem a usual mitificação da favela nas produções artísticas da época, o que lhe rendeu importantes prêmios.
Em cena, um elenco de aproximadamente quarenta atores, em sua maioria pessoas negras que nunca haviam atuado, selecionadas a partir de anúncios de jornal para representar os moradores do Canindé. O núcleo principal era formado por artistas conhecidos, como Célia Blar e Maurício Nabuco.
O papel de Carolina coube à atriz Ruth de Souza, que em 1983 voltaria a interpretá-la na TV para um episódio do programa Caso Veradade – a atuação que mais orgulho lhe deu na carreira. A “personagem Carolina” acabou tornando-se presente no teatro e no cinema. Várias atrizes interpretaram o papel. Uma das atuações mais marcantes foi a de Zezé Motta no curta Carolina (2002), de Jeferson De. As atuações se aproximam em construir um retrato de Carolina muito marcado por uma certa indumentária, um jeiro de corpo e pelo lenço branco cobrindo os cabelos.
Super indico a exposição que merece um dia especialmente dedicado à visita, a esse verdadeiro e profundo mergulho, onde de lá saímos “secos e molhados”.
- Agendamentos de ingressos são feitos por meio do site do IMS
- Exposição gratuita. Acessível.
- O ambiente respeita todos os protocolos de segurança contra a Covid-19
Vale ressaltar que o prédio do IMS – Paulista é muito agradável e além da bela vista para a Avenida Paulista, conta ainda com livraria e um aconchegante espaço para um café.
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